Parece uma eternidade mas passou a correr. Duas décadas nos separam desde o último encontro, ainda nos corredores da escola secundária.
Segunda-feira, dez de Outubro de dois mil e dezasseis.
Este foi um dia em que acordei mais cedo do que o habitual, estava confiante e entusiasmada e nem sei bem porquê. Planeara o dia com a devida antecedência, gosto de pensar que comando a minha vida, quando na maior parte do Ano, sai tudo completamente furado. Mas ainda assim, insisto. Agendo tudo, planeio, e surpreendo-me! - para variar, de vez em quando, acontecem coisas boas, como a desse dia.
Este foi um dia em que acordei mais cedo do que o habitual, estava confiante e entusiasmada e nem sei bem porquê. Planeara o dia com a devida antecedência, gosto de pensar que comando a minha vida, quando na maior parte do Ano, sai tudo completamente furado. Mas ainda assim, insisto. Agendo tudo, planeio, e surpreendo-me! - para variar, de vez em quando, acontecem coisas boas, como a desse dia.
Acabara de amanhecer e o dia estava nublado com boas abertas e um Sol brilhante, timidamente a aparecer detrás das nuvens como se quisesse espreitar o que, cá em baixo, acontecia – e eu.., como eu gosto de sentir os primeiros raios da manhã! Ali, num lugar que me é tão próximo e familiar, algo parecia diferente.
Meio ofuscada por um Sol ainda baixo que me atingia de frente, vislumbrei um vulto, ali à beira rio, a pouco mais de três passos de mim. Pareceu-me familiar - tão familiar quanto um intervalo de vinte anos me permitia descortinar. Senti um arrepio frio no estomago tão real como aqueles que sentia por ele aos quinze anos e... hesitei! Talvez quem ali estava nem fosse quem eu pensava ser. Bebi o meu café de uma só vez, ergui-me da minha cadeira e o meu movimento fê-lo olhar na minha direção. Batemos o olhar um no outro e eu fiquei desarmada! Não podia voltar atrás, eu vi-o e ele viu que eu o vi. Em milésima de segundos uma força maior empurrou-me em frente sem que me desse tempo para dar meia volta e, em pouco mais de três passos, eu estava a meio metro do grande amor da minha adolescência e a pronunciar o seu nome com um ponto de exclamação no fim. Ele não se levantou nem me convidou a sentar, ele apenas se alinhou na minha sombra, para me ver melhor, franziu a testa que não escondeu os seus quase quarenta anos de idade e devolveu, no mesmo tom surpreso, a entoação do meu nome. Este foi o momento. Ele não viu, mas da água saltaram peixinhos, do céu caíram estrelas e dos meus olhos voaram corações! Respirei fundo e consegui não entrar em arritmia cardíaca. Estranho até, como depois senti uma calma imensa, como se há mais de vinte anos eu já estivesse preparada para este reencontro. O tempo parou, os compromisso ficaram para depois e conversámos serenamente. Falámos baixo e suave como aquele Sol da manhã, como quem ainda nem acordou, como quem se espreguiça. Como estás? Como vives? Tens família? Ali, naquele momento, podiam ter gritado “corta!” e tinha sido o inicio perfeito de um possível romance. Ao invés disso, vivemos apenas os mais intensos trinta minutos dos últimos tempos.
Não sei que pensamentos ele tinha naquele momento, mas nas entrelinhas da nossa conversa, os meus fluíam para oceano aberto como as águas daquele rio.
Ele continuava sentado de frente para o Sol à sombra da minha figura - que se mantinha de pé - para evitar encandeamento e, se ele se mexia um pouco e se ofuscava na luz, eu gentilmente voltava a tapá-lo com a minha sombra e, caso eu me mexesse ligeiramente e a luz o ofuscasse, ele gentilmente voltava a encaixar-se na minha sombra. Era uma dança perfeita, uma sintonia natural que acontecia sem palavras, só pelo movimento dos corpos. Enquanto ele falava eu vivia aquela nossa valsa, entre a luz e a sombra, como quem faz amor. Era mais do que isso - eram mais que abraços e mais que beijos, era tapá-lo com o lençol para o aconchegar em mim, eram murmúrios e suspiros de puro prazer... era tudo aquilo que quase, mas nunca, chegou a acontecer entre nós. Quem me dera congelar ali... ou dali sair com mais do que algumas palavras trocadas entre nós. Tanto que havia para concluir e que vivia suspenso durante todos estes anos.
Já se passaram alguns dias desde esse encontro e minto se não admitir que a imagem dele, a voz dele e a forma como ele me olhava naquela manhã, ainda hoje, continuam a surgir todas as noites nos meus sonhos mais delicados. Descobri que o desejo hoje como noutros tempos e, como noutros tempos, mais uma vez não passará de muito mais.
Fiquei feliz por ser solteira, livre e não dever qualquer explicação a alguém. Pude viver o momento sem medos, receios ou pesos de consciência. Pude contar, sem pudor: que o mundo podia acabar ali, que o cenário era muito próximo do meu Éden imaginário.
O bom de afinal não comandarmos o destino são as surpresas que podem acontecer ao virar da esquina, em qualquer dia ou hora, sem aviso prévio.
Até daqui a vinte anos, ou, quem sabe, numa esplanada à beira Tejo num futuro próximo.
Até daqui a vinte anos, ou, quem sabe, numa esplanada à beira Tejo num futuro próximo.