Há semanas que adiávamos o jantar, até que batemos na mesa e dissemos: é este Sábado!
Os dias passam e perdemos a noção de tempo, tal é a velocidade a que o relógio anda e consequentemente os dias do calendário. A correria desde manhã, qual montanha de problemas, um evareste a sufocar. E viver que é bom, nada. Posto isto, resolvemos que chegava de zaping e lamentações dos últimos fins-de-semana.
Pensámos em jantar num sitio badalado, mas onde pudéssemos ir mais descontraídas sem o salto alto indispensável de outras épocas. Aliás, já não tenho resistência - idade!! - para uma noite de salto agulha e nem os compensados me encorajam. A maravilhosa calçada portuguesa também não recomenda. Calçado confortável - mas elegante - e lá fomos nós.
A preferência recaiu num dos mercados da moda, a escolha não poderia ter sido melhor. As opções gastronómicas são as mais variadas e ainda socializamos de forma casual e descontraída. É inevitável ouvir as conversas alheias, mas, sinceramente, ninguém está preocupado com isso, o que torna tudo extremamente agradável e relaxante. Uma espécie de viagem dentro da cidade. Companheiros de jantar que dificilmente se voltarão a cruzar, como se estivéssemos de passagem num outro país. Sem uma mesa só para nós, é certo, mas com uma dinâmica contagiante.
Terminámos pouco passava das 23h30, optámos por caminhar até nos apetecer parar - as tais vantagens - e alguns metros depois, lembrei-me de apresentar a antiga boate mais procurada em Lisboa. Certamente que muitos já lá foram e dispensa grandes apresentações, mas é sempre uma aventura lá entrar. A meio da visita guiada, a minha amiga vê a taróloga de serviço, e desafiou-me a embarcar na experiência do desconhecido. Hesitei. Acho que é um perigo ir a estas coisas, porque ou as estrelas estão alinhadas, corre bem e seja, ou não, verdade dá-nos um incentivo extra, mas se corre mal, a experiência pode ser traumática, porque será inevitável abstrairmos-nos no próximo par de horas.
Não era uma estreia, já o tinha feito anteriormente mas de forma consciente, com marcação antecipada, não desta forma - meio - impulsiva.
Para quem tiver curiosidade foi assim que aconteceu.
Depois de alguma insistência, lá fui.
Enquanto ganhávamos a coragem necessária, recostamos-nos na cama que fica em frente à pequena mesa redonda coberta com um tecido vermelho escuro, com tantos outros suspensos no teto e elevada em relação ao resto da sala, tornando-a mais especial e que encaixa na perfeição naquele cenário onde a perversão reinou noutros tempos, mas que deixou todo um ambiente intocável, que dá que pensar, mas é essa diferença que torna o local especial.
Enquanto esperávamos pela nossa vez, chega uma rapariga muito acelerada e pergunta: estão na fila? Respondemos sem grandes certezas, porque a bem da verdade estávamos com o receio natural. Depois do nosso tremido sim, a Tânia - soube depois, não é nome fictício mas também não acho que ela vá ler - confessa ter trazido o amigo porque na outra vez que lá tinha ido a entendida do
tarot tinha acertado em tudo. Ora, se dúvidas houvessem, tinham acabado de desvanecer e o entusiasmo disparou.
Em menos de nada, estávamos os quatro na cama, confortavelmente instalados e a conversar como se nos conhecêssemos desde sempre. Minutos depois chegaram mais dois amigos do dueto anterior e, não sei se atraídas pela boa disposição, duas inglesas - não, já não cabiam todos na cama - apoderamos-nos mesmo do espaço. Apresentamos-nos, trocamos histórias, rimos e partilhamos experiências. Aquela sala, sendo a mais pequena, ficou mínima para tantos desconhecidos bem-dispostos, sem receios ou preconceitos ou tabus.
Escusado será dizer que o relógio não foi nosso amigo e cada um teve de seguir o seu rumo. Nada como uma saída sem expectativas se transformar numa noite a recordar. E tudo o que me fazia ficar em casa nas semanas anteriores por lá ficou, porque não tive sequer espaço ou tempo para me lembrar.
Valeu muito a pena embarcar na aventura, não só pelos escassos minutos que me deram uma injecção extra de adrenalina para o futuro, mas principalmente por ter sido o elo de ligação ou - entrando no espírito - coisas do destino. Porque se não parássemos na incerteza movidos pela mesma curiosidade, teríamos simplesmente seguido para a sala seguinte. E, muito provavelmente teria sido, só mais uma noite.