quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Abordagens #1

Na minha altura de emigrante, viajava com tal frequência, que os passageiros do avião e a tripulação já me eram familiares. O mesmo acontecia com eles, já sorriamos e acenávamos com a cabeça para mais “uma moeda, mais uma voltinha”.

Recordo-me de um Domingo à noite, dia de regresso à outra realidade, em que mudava de língua e o ar nas primeiras horas era tudo menos regenerador, com se todo o circuito respiratório entupisse, não por culpa da cidade e tão pouco das pessoas, mas porque o coração fraquejava e não bombeava da mesma maneira, desconcertando toda a orquestra que é o natural sistema cardiorespiratório indispensável à vida. As saudades apertavam, logo a seguir à despedida.

Ao entrar no táxi, o português - digo com carinho - agarrou a porta antes de a fechar, sim, como vemos no cinema - naqueles filmes em que choramos, rimos e no final eles ficam juntos - e cheio de coragem, pediu-me o número…

Normalmente, não sei como reagir – ainda hoje não sei!  – A minha resposta muito pronta foi: “se o destino quiser que nos voltemos a ver, encontramo-nos por ai”, não sei de onde aquilo me saiu, nem acontecem este tipo de situações com a frequência necessária para que a resposta estivesse na “pontinha da língua”. Aparentemente segura, sorri, fechei a porta e com um gesto de despedida, o carro seguiu. Ainda me lembro do ar espantado, chocado, de sobrolho levantado e boquiaberto, assim meio embasbacado, coitado! Pelo caminho pensava: fiz bem, fiz mal, devia de ter dado?! Não devia!? Que estupidez! Podíamos ter acabado a noite num sítio qualquer com uma boa conversa, a jantar, a passear, sei lá! Não necessariamente um romance, mas uma amizade. Tinha todos os condimentos. Éramos dois estrangeiros oriundos do mesmo país, com a língua em comum e certamente com uma imensidão de diferentes experiências da mesma cidade. Mas o meu pânico misturado com o meu receio pelo desconhecido, ao mesmo tempo tentar parecer calma e natural, deu nisto. Não, não o voltei a ver. Passaram alguns anos, vou acreditar que está careca, barrigudo e espero que feliz. E que não pense em mim, se é que ele mais algum dia pensou, como a maluca que fugiu.

Se fosse hoje, aiii se fosse hoje... Não faço ideia do que fazia!

Não há receita para estes imprevistos, mas encaro-os como um desafio ao meu poder de improviso, às vezes corre bem outras nem por isso. Mas acredito que a maturidade também se reflecte nestas ocasiões e por isso as abordagens que se seguiram, diferentes é certo, algumas, obrigaram-me a usar o bloqueador de contactos, outras não passaram disso, mas pelo menos fizeram história.

As vantagens das relações que não demos oportunidade, são que perduram como “ses” romanceados pela imaginação.

3 comentários:

  1. Aos 30, aos 20 ou aos 40, é um enorme prazer ler quem escreve bem e sabe contar histórias. Tenho para mim que a estética (e a alma!) com que se dispõem as palavras há-de ser directamente proporcional ao brilhozinho nos olhos. Se não é, devia ser.

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